A Implementação da Fatura Eletrónica: Obstáculos reais ou resistência à mudança?

O novo Programa do XXV Governo declarou de forma clara e contundente “guerra à burocracia” (🔗link), reconhecendo que o labirinto de normas, pareceres e autorizações enfrentado por empresas e cidadãos compromete — em vez de proteger — o interesse público. Sob o lema de um Estado mais eficiente, o Executivo compromete-se com medidas concretas para simplificar procedimentos, digitalizar serviços, reduzir o papel físico e responsabilizar quem decide.
Neste quadro de reforma e modernização, a implementação da faturação eletrónica ganha um papel central, tanto no plano simbólico como na prática administrativa. No entanto, apesar do enquadramento político favorável e dos benefícios reconhecidos, a sua adoção tem sido reiteradamente adiada.
Este artigo procura, por isso, refletir sobre uma questão essencial, na implementação da fatura eletrónica em Portugal, existem obstáculos reais ou apenas resistência à mudança?
Afinal, o que é uma fatura eletrónica?
A fatura eletrónica em Portugal está juridicamente enquadrada pelo Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, que regula os requisitos aplicáveis à emissão, conservação e segurança dos documentos fiscalmente relevantes, incluindo as faturas.
O artigo 12.º desse diploma estabelece que:
“As faturas e demais documentos fiscalmente relevantes podem, mediante aceitação pelo destinatário, ser emitidos por via eletrónica.”
Considera-se garantida a autenticidade da origem e a integridade do conteúdo dos documentos emitidos por via eletrónica quando for adotado, nomeadamente, um dos seguintes procedimentos:
a) Aposição de uma assinatura eletrónica qualificada nos termos legais;
b) Aposição de um selo eletrónico qualificado, nos termos do Regulamento (UE) n.º 910/2014 (Regulamento eIDAS);
c) Utilização de um sistema de intercâmbio eletrónico de dados (EDI), baseado num acordo nos termos da Recomendação n.º 1994/820/CE da Comissão Europeia.
Com base na legislação, a fatura em formato PDF, apenas pode ser considerada uma fatura eletrónica, desde que:
- Seja emitida e recebida por via eletrónica; e
- Seja assinada ou selada eletronicamente com certificado qualificado, ou emitida ao abrigo de um acordo EDI válido.
Na contratação pública, a FE-AP (Fatura Eletrónica na AP), o enquadramento jurídico é diferente, mas complementar. A Diretiva 2014/55/UE obriga à utilização de formatos eletrónicos estruturados, de forma a harmonizar a faturação nas adjudicações públicas a nível europeu. Em Portugal, aplica-se o modelo CIUS-PT (Core Invoice Usage Specification – Portugal), que define a estrutura, sintaxe e requisitos técnicos das faturas eletrónicas emitidas neste contexto.
Feita esta introdução ao tema:
📅 Fará sentido voltar a adiar (depois de 9 adiamentos) a entrada em vigor plena da faturação eletrónica?
Do ponto de vista técnico, legal, económico e ambiental, não faz sentido qualquer novo adiamento à plena entrada em vigor da faturação eletrónica em Portugal.
É certo que os primeiros adiamentos, motivados pela pandemia de COVID-19, foram compreensíveis face às dificuldades enfrentadas por empresas e entidades públicas. Contudo, os adiamentos subsequentes deixaram de ter fundamento, prejudicando:
- A modernização da Administração Pública e do tecido empresarial;
- A transparência e rastreabilidade dos processos comerciais e financeiros;
- A credibilidade das políticas públicas de transformação digital.
❓ E os custos para as pequenas empresas?
Este argumento, embora legítimo numa fase inicial, encontra-se hoje tecnicamente ultrapassado, pois:
- Existem soluções públicas gratuitas e soluções privadas de baixo custo, adaptadas a organizações de qualquer dimensão;
- A adoção da faturação eletrónica reduz significativamente os custos operacionais, nomeadamente em papel, arquivo, impressão, armazenamento e pessoal;
- A eliminação progressiva do papel e da impressão contribui para objetivos de sustentabilidade ambiental, reduzindo a pegada ecológica;
- Permite ainda aumentar a eficiência, segurança e fiabilidade dos processos administrativos.
🧩 Soluções já disponíveis (públicas e privadas):
🔗 SAFE – Serviço de Assinatura de Faturas Eletrónicas
- Serviço disponibilizado pela Agência para a Modernização Administrativa (AMA).
- Permite a assinatura eletrónica qualificada de faturas, assegurando a validade jurídica, integridade e autenticidade das mesmas.
- Cumpre com os requisitos transnacionais do Regulamento eIDAS.
- Pode ser integrado em soluções de faturação eletrónica já existentes (públicas ou privadas).
Para além do SAFE, diversos prestadores privados disponibilizam serviços de assinatura eletrónica qualificada, com preços acessíveis, integração nativa em ERPs.
🔗Microportal FE-AP – Faturação Eletrónica na Administração Pública (ESPAP)
- Plataforma gratuita da ESPAP — Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I.P.
- Permite a emissão e envio de faturas eletrónicas para entidades públicas, em formato CIUS-PT.
- Especialmente dirigido a micro e pequenas empresas, que podem assim cumprir as obrigações legais sem necessidade de software adicional ou investimento técnico.
O setor privado disponibiliza também soluções desta natureza ajustada ao perfil e dimensão de cada cliente.
🔍 Estas são algumas das razões para se avançar (e sem demoras):
- A legislação está em vigor: A obrigatoriedade da faturação eletrónica foi legalmente definida, com prazos sucessivamente adiados e amplamente comunicados.
- Existem soluções públicas e privadas ao alcance de todos: O SAFE (AMA) e o Microportal FE-AP (ESPAP) oferecem soluções concretas e gratuitas, complementado por ofertas privadas economicamente acessíveis e tecnicamente robustas.
- Os benefícios são transversais, imediatos e duradouros
- Redução significativa de custos administrativos e operacionais.
- Automatização de processos contabilísticos e fiscais.
- Eliminação progressiva do papel, com impacto positivo na sustentabilidade.
- Reforço da cibersegurança, da integridade documental e da rastreabilidade.
- A transição digital é prioridade nacional e europeia: A faturação eletrónica é instrumento essencial para a transformação digital da economia e da Administração Pública.
- Novos adiamentos penalizam os mais diligentes e travam a inovação: As organizações que investiram antecipadamente são desincentivadas, e o progresso coletivo fica bloqueado.
💬 Conclusão:
A faturação eletrónica não deve ser vista como um encargo adicional, mas sim como uma oportunidade para a modernização, simplificação e sustentabilidade das organizações.
Com a disponibilização de soluções públicas gratuitas, como o SAFE (para assinatura qualificada) e o Microportal FE-AP (para emissão de faturas em contratação pública), e a oferta complementar de soluções privadas ajustadas à realidade de cada empresa, deixam de existir obstáculos técnicos ou financeiros que justifiquem novos adiamentos.
A eliminação do papel, a automatização de processos, a redução de custos e o reforço da transparência e integridade documental tornam a faturação eletrónica um instrumento incontornável para uma transformação digital eficaz e sustentável.
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